segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O amor quando se revela - Fernando Pessoa

O amor quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente,
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
e se um olhar lhe bastasse
para saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente,
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar...

domingo, 18 de maio de 2014

Duas Almas - Alceu Wamosy

Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...
.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
.
E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
.
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...

sexta-feira, 21 de março de 2014

Tracejado

Ah, quem me dera!
Se da janela eu pudesse ver
O doce brilho da quente esfera
Tocando o novo do espaço querido
Que na mente e no sonho impera.

Faz-se milagre de teus atos
E realidade de tua esperança
Recanto pros teus sentimentos
E lar pra tua criança.

Sabes que teu sorriso será lido
Mesmo por aqueles que não querem lê-lo
Aguarde, eu insisto
Terás partilha em teu zelo.

Há de alguém escutar em teu silêncio
Cheirar o teu corpo inodoro
Enxergar em tua escuridão
E tocar no teu poro.

Quem há de sentar-me ao lado outra vez?

Nos meus dias de ensino
Aprendo cada vez mais
Cada dia levado a pino
Melhor que as linguagens banais
Outrora reinantes com seus pronomes
Mas que agora, não mais.